Tenho direito à vida. E à morte, não ?
Janeiro 22, 2020
Sérgio Guerreiro
Não faltará muito para que o tema venha de novo a ser discutido pela Assembleia da República e pela sociedade civil. Um debate já feito e sem conclusões mas que de novo alguém o trará à baila. Mandará a prudência legislativa que este tema seja levado a referendo e assim durante esta legislatura creio, que deveríamos ser chamados a dizer da nossa justiça, ou então a Assembleia da República decide por nós, o que será o mais certo de acontecer.
É sempre complicado conciliar o dever e até ética profissional de quem lida diariamente com este dilema, nomeadamente os profissionais da saúde com o juramento feito. Mas também há quem se agarre a argumentos legais.
Certo da complexidade do tema agora abordado, complexo não será entender a dor de quem é afectado por este dilema bem como aqueles que coabitam à sua volta e que sentem a mesma dor, tanta vezes como se a dor fosse também a sua. Desligar a “máquina” é partir, e partir pode ser o fim da dor.
Mas haverá direito de manter viva a dor ?
Haverá direito de sofrer? Ou de saber que se sofre?
E haverá direito de assistir dia a dia a tamanho sofrimento?
A questão de fundo para quem não quer discutir nem ouvir falar da eutanásia é quase sempre a mesma:
O artigo 24.da Constituição Da República Portuguesa:
“ Direito à vida” -
1 - A vida humana é inviolável.
2 - Em caso algum haverá pena de morte.
Se alguém tem o direito à vida, não pode o mesmo sujeito ter direito à morte? Porque não ? Portanto, usar argumentos legais é fugir da questão, é refugiar-se do debate sem qualquer vontade de na sua essência entrar nele. Porque não encontra outros argumentos válidos. O mais válido argumento é a escolha do indivíduo ou de quem o possa representar. Este é o maior valor da vida. A escolha da sua forma mesmo quando ela implica a sua morte. Poder escolher morrer pode também ser uma escolha de “ vida”.
O dever e o poder Constitucional é reger a sociedade, mas também é ou deveria de ser evoluir com ela. O que muda no nosso tempo e nas sociedades também terá que mudar na legislação que as regula.
Se a sociedade evolui e o que a regula não, então estamos numa sociedade coxa e mais ou menos vazia. E sabemos bem como ela está coxa e mais ou menos vazia em tantas outras matérias.
A base está lançada.
A discussão do sujeito desejar e ter o direito de morrer da mesma forma que tem o desejo e o direito de viver.
A despenalização da eutanásia é um imperativo social.
Mas para isso, a discussão tem que acontecer em primeiro plano e em consciência plena naquilo que é veradeiramnente a eutanásia que não se resume somente à sua definição meramente linguística, mas sim elevar a discussão ao plano sociológico e contextualizar a sua definição no campo ético.
Mas já se sabe como são estas coisas sérias quando vão a debate.
Não são discutidas a fundo e que em regra a ala mais conversadora se refugia em argumentos religiosos e/ou legais quando a seriedade do tema tem que nos levar obrigatoriamente à questão do indivíduo e perceber de uma vez por todas que quem tem o direito à vida também pode ter o direito a morrer com dignidade.
Discutir e debater este tema e legislar sobre esta vontade popular (a realizar por referendo) é não só imperativo nacional para uma sociedade mais justa à luz dos direitos individuais, mas também uma evolução sociológica da humanidade.
Sim, porque o Direito à vida também é o direito a uma morte digna!