Eutanásia: afinal, o direito à vida pertence a quem?
Junho 09, 2022
Sérgio Guerreiro
Pela terceira vez e em duas legislaturas diferentes o parlamento voltou a votar a despenalização da morte medicamente assistida. Depois de baixar à especialidade onde os várias grupos parlamentares podem “ acertar” algumas agulhas na letra da lei, esta seguirá rumo a Marcelo para promulgação ou para pedido de fiscalização preventiva como o fez no passado.
Uma, das mais diversas questões que o problemática da eutanásia tem levantado, é perceber o quão importante seria dar a voz ao povo nesta tão importante matéria revestida de uma grande dose de individualidade, isto é, deveria ou não ser realizado um referendo?
Se muitos entendem que o parlamento está legitimado para decidir sobre a escolha pessoal de cada um, no que diz respeito à eutanásia, outros dirão que há decisões e matérias que deveriam passar por uma decisão popular por ser sensível, recordo a decisão do parlamento nacional aquando da despenalização da interrupção voluntária da gravidez, que nasceu dessa mesma vontade popular realizando-se um referendo em fevereiro de 2007.
Para de facto o tema ser pacífico na sociedade portuguesa, não questionando a legitimidade parlamentar, o referendo deveria ser o caminho.
Porém, e se facto a nossa Constituição é clara quanto à inviolabilidade da vida humana, também é claro que a nossa Lei fundamental admite que o nosso país é uma república baseada na dignidade do ser humano. De igual forma, a Declaração Universal dos Direitos do Homem logo no seu artigo 1.afirma que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade.
A questão de fundo a tratar quando falamos de morte medicamente assistida, é avaliar dois aspectos:
1- afinal de quem é a pertença da vida humana;
2- o que é a dignidade humana.
No primeiro aspecto, a vida é de facto pertença do indivíduo. É uma “propriedade” em que sobre a qual ninguém pode e deve decidir. Se o indivíduo quiser morrer, morre. Ele tem sobre a sua própria vida o poder de escolher de acordo com as suas convicções.
Um segundo aspecto é o sofrimento extremo e de doença incurável dependendo de terceiros. Estará o indivíduo a viver nestas condições em dignidade? Se todos nascemos de um acto involuntário pessoal, então que se possa voluntariamente decidir se queremos ou não continuar vivos.
O conceito de dignidade humana não colide juridicamente com qualquer norma constitucionalmente relevante. Na verdade, o Tribunal Constitucional (TC) aceita a despenalização da morte medicamente assistida, afirmando até que o direito à vida não pode estar circunscrito a viver sem dignidade e a qualquer custo.
Muitos daqueles que são contra à despenalização da morte medicamente assistida, afirmam que o estado ( leia-se poder central ) não deveria de legislar sobre esta matéria, deveria isso sim, criar as condições necessárias mormente nos cuidados paliativos para dar ao doente maior dignidade em vida.
Resta a pergunta: mesmo que Portugal fosse o país com as melhor condições do mundo em cuidados paliativos, então igualmente o indivíduo não poderia escolher em consciência por termo à sua dor?
Independentemente de qualquer causa, de qualquer opção ou condição, o direito à vida pode, se o indivíduo assim desejar, ser igual ao direito de morrer com dignidade. É disto que a despenalização da morte medicamente assistida trata e é isto que significa liberdade.