Saber que há pobreza já é revoltante, mas vê-la de tão perto ainda é mais.
Outubro 30, 2022
Sérgio Guerreiro
Hipermercado, sábado , 11.30.
Pacientemente esperava pela minha vez no posto da caixa 3 de um hipermercado. Dentro do pequeno carro de compras que me acompanhava, continha meia dúzia de coisas. Mesmo à minha frente, um casal, aparentemente jovem, fazia passar as suas compras por aquele apito infernal da caixa que, apesar da hora já tardia, confesso que me irrita sempre seja a que horas for.
O casal, também não carregava no seu carro de compras muita coisa, o que me aliviou de certa forma criando a certeza que depressa sairia dali. Não gosto de ir às compras, irrita-me e não tenho paciência nenhuma para isto.
Enquanto via a passagem das compras do casal a fazer a viagem entre o carro e a caixa 3, depressa ia ajeitando as minhas para as colocar naquela espécie de tapete rolante que volta e meia baralha o nosso saco de cenouras com as cebolas do “ vizinho “.
Chegou o momento do jovem casal pagar a sua conta. Não me apercebo do valor mas fiquei com a percepção que algo de estranho estaria a acontecer. Estava tudo muito demorado e a minha esperança de sair dali tão rapidamente como entrei, estava a atormentar o meu estado de espírito já de si bastante inquieto.
Depressa, não procurando razões para sentir tal demora, dei comigo a olhar para aquele jovem casal a devolver alguns bens ao carro.
Foi aí que o tempo parou, o meu coração acelerou enquanto uma pequena lágrima transparente escorria pela cara da jovem rapariga que não conseguiu conter a vergonha. Foi naquele momento que me arrepiei, que pensei que também poderia ser eu ali, a ter que devolver compras básicas. Foi naquele momento, que senti o mundo a cair em cima de mim.
Poucos se teriam apercebido disto. Talvez só eu e a senhora da caixa 3 que pela seu frieza e forma de actuar já estaria habituada a tantas histórias iguais a esta. Mas eu não estava preparado para ver isto.
O seu companheiro, que lhe segredou umas palavras, supondo eu de conforto, continuou a devolver ao carro mais alguns produtos, até que a conta final estivesse de acordo com a carteira do jovem casal.
Não me recordo de assistir a algo tão doloroso, tão forte e tão difícil de ver.
O que eu temia e o que me encheu de vergonha, hoje também me fez chorar.
Não me recordo de gostar de ir compras, e afinal, alguma razão me assiste.
Hoje, pode ser doloroso ir só comprar meia dúzia de coisas, não só porque o preço dos bens essenciais aumentou exponencialmente, mas porque também nos pode partir o coração.