E se a culpa disto tudo, do estado disto tudo, da forma como isto tudo funciona for também nossa? Não haverá nada que possamos fazer ou estará mesmo nas nossas mãos fazer alguma coisa ?
É óbvio que está.
O estado de tudo isto e o estado a que isto chegou é também por culpa nossa, porque quando somos chamados a dizer alguma coisa com o poder de mudar também alguma coisa, ou está calor e vamos à praia ou está frio e ficamos em casa.
Cerca de 51% dos Portugueses com capacidade eleitoral recusaram-se nas últimas eleições legislativas (Outubro de 2019) a exercer um dos mais importantes deveres cívicos e pelo qual muitos Portugueses lutaram e morreram.
Em última instância, haverá para sempre uma enorme dívida de gratidão a todos esses Homens e Mulheres que morreram por uma causa maior com a esperança conseguida de uma “madrugada” que se “esperava limpa e inteira” para que hoje se possa dizer e escrever o que se pensa, e mesmo assim passados tantos anos, ainda somos devedores perante aqueles que conseguiram a tão precisa e preciosa liberdade.
E hoje? O que fazemos dela?
O que fazemos do legado que nos foi deixado de poder exercer o direito de voto?
O estado a que isto a chegou e o estado para onde isto vai, também é resultado das nossas escolhas e quando escolhemos ficar em casa ou ir à praia no lugar de ir votar, exigir o que quer que seja, não dignifica a cidadania.
O resultado de não votar, é por nas mãos dos outros uma decisão que é só nossa mas ao deixarmos que os outros decidam por nós estamos rasgar o papel de actor principal que temos enquanto cidadãos na construção de uma qualquer sociedade. O contrato social é rasgado e deitado à lareira.
Nunca poderemos saber se isto seria diferente e melhor, porque simplesmente muitos faltaram à chamada quando rasgaram o tal papel principal que lhes foi oferecido com muitos anos de esforço, de lágrimas e muitas mortes de muitos compatriotas.
O desenho parlamentar que hoje existe que a todos diz respeito e a todos afecta, é o resultado de uma escolha de uma só parte dos Portugueses, a outra parte, aquela que podia fazer a diferença, preferiu não dizer nada e permanecer no silêncio enquanto pratica agora exaustivamente a arte do “ reclamanço” à mesa do café com os amigos a discutir sobre os impostos a pagar, do aumento dos combustíveis, dos tachos para os “ boys”, ou da consulta de oftalmologia que está marcada para novembro de 2021.
Reclama-se dos excessos, dos extremos, da direita e da esquerda.
Podemos até culpar quem manda nisto tudo pelo estado a que isto chegou, mas se não fizermos uso da maior “arma” que temos nas mãos, de pouco nos valerá continuar na esplanada do café a ler os jornais e ficar espantado com tudo isto... mas sempre a reclamar.
Abdicando cada um nós do dever cívico que temos e da sua extrema importância, eles vão continuar a mandar nisto tudo, a fazer o que quiserem disto tudo, e a “vender” todos os dias sonhos de um futuro sempre melhor que tarda a chegar.
Mas nós reclamamos e bebemos mais uma mini. Se acabar as minis, aí é que ficamos mesmo chateados.
A nossa cidadania deve exercer-se sempre e nas suas mais variadas formas.
Votar é sem duvida o exercício maior da pratica dessa cidadania e nega-lo, é negar a construção ou a sua tentativa, de criar uma sociedade mais justa e mais equilibrada que vá ao encontro dos nossos princípios e desejos; em suma, negar o exercício pleno dos nossos direitos de cidadania é consentir que tento esse direito, não há interesse em fazer parte de uma solução para a construção de um outro tipo de sociedade deixando para os outros esse ónus.
É certo que a lei portuguesa não obriga ao voto, o mesmo é dizer, que há liberdade de não votar, ou seja, de não participar na democracia. Mas pode-se por enquanto ainda reclamar.
É através do voto, desse ainda maior bem e dever cívico, que se escolhe a composição do Parlamento que seria totalmente diferente daquilo que é hoje se todos Portugueses ou a sua grande maioria exercessem esse dever e esse direito ao qual são chamados.
Ao continuar assim, com cerca de mais de metade dos Portugueses a ficarem em casa se fizer frio ou a ir à praia se estiver um belo dia de sol no dia de eleições, corremos o risco de continuar a reclamar, porque nisso somos realmente também muito bons. Já sabemos que pouco interessa ao Estado promover medidas e políticas para evitar que a abstenção possa crescer, como por exemplo, não ter que ir votar ao domingo ou disponibilizar o voto electrónico porque é possível que os valores da abstenção sejam confortáveis e convenientes a alguém.
Mas para a verdadeira democracia que hoje anda “fingida” e para a construção de um Pais para o qual todos somos chamados a participar, a abstenção daqueles que só reclamam, é só mais um cancro a vencer no meio de tantos outros que por aí vão chegando igualmente perigosos, vazios de conteúdo e de ideias, vazios de soluções mas cheios de ânsia de chegar ao poder “ travestidos “ de democratas que mandam calar alguns com igual direito e dever de opinar, exigindo a esses o dever de se calarem, e é contra isto que devemos claramente dizer que em democracia a opinião é livre quer se goste ou não dela.