E se Portugal tivesse um governo sério e um Presidente da República?
Junho 25, 2020
Sérgio Guerreiro
Durante largos anos Marcelo Rebelo de Sousa, hoje Presidente da República, foi comentador político e em permanente campanha eleitoral. Foi paulatinamente preparando terreno e recolher do público em geral a simpatia que muitos lhe reconhecessem hoje para se lançar em “ grande” como a mais alta figura do Estado Português.
Durante esses mesmos largos anos ouvir o comentador Professor Marcelo era um gosto, um regalo, fazendo-me sempre lembrar a sua forma peculiar de dar aulas. Como falava na televisão era como falava a todas as turmas. Nos seus comentários era assertivo dizendo muita vez o que era preciso dizer e avançava com uma leitura atenta e sábia sobre as mais variadas questões de políticas nacionais. “ Este homem sabe tudo caramba” - dizia o meu Pai sentado a ouvir atento as considerações políticas do Senhor Professor. O País quase que parava ao domingo para ouvir os disparates do governo da altura pela voz do Professor Marcelo, hoje é a vez de Paulo Portas.
O momento chegou, e Marcelo deixa os holofotes e as câmaras dos estúdios das televisões e assume ser candidato a Presidente da República de Portugal. Depressa se percebe que é isto que o Povo quer e foi a ele que uma grande parte dos Portugueses ( 52%) disseram que deveria ser o Presidente de todos os Portugueses. Toma posse em Março de 2016 e quer se queira, quer não queira, ele é hoje, os Presidente de todos nós. Mas será que o é verdadeiramente?
Não. Não é e de alguma forma muitos de nós fomos enganados pelo Senhor Professor. Quando a 24 de Janeiro de 2016 os Portugueses decidiram eleger Marcelo Rebelo de Sousa esperavam dele uma postura Presidencial diferente da actual. É certo que os poderes Constitucionais de um Presidente são limitados.
O veto presidencial é um mero formalismo devolvendo os diplomas à Assembleia da República ou remetendo-os para o Tribunal Constitucional para apreciação prévia da Constitucionalidade e tem somente na sua mão o mais poderoso dos poderes Constitucionais. O poder de dissolução da Assembleia da República. A chamada bomba atómica.
Mas o que se pretende de um Presidente da República, é o exercício da chamada magistratura de influência e o cumprimento escrupuloso da Constituição.É isto que todos nós esperaríamos de Marcelo Rebelo de Sousa. Sabemos que o poder executivo está nas mãos do Governo e à luz das competências presidências sabemos que o Presidente da República não deve interferir na ação governamental. Não pode apontar políticas, não pode dizer como se deveria fazer ou legislar sobre esta ou aquela matéria.
Agora o que pode e deve este Presidente fazer e que não faz, é aquilo para o qual foi eleito e que todos nós esperaríamos que o fizesse. Emitir opiniões e denunciar tal como fazia na qualidade de comentador. Até porque foi isso que o elegeu. Os Portugueses de certa forma reviam-se nas suas críticas à ação governamental e aos escândalos da altura e que hoje também existem. Foi aí, nas televisões, que o actual Presidente ganhou palco, luz e ribalta. Foi isso que o fez ganhar as eleições. Nada mais que isso.
Certamente ninguém esperaria que por parte da mais alta figura do Estado, que durante anos e anos se preparou nas televisões e em permanente campanha eleitoral e muitas vezes com ar de espanto sobre políticas adoptadas na altura e muitas delas semelhantes aos tempos que agora correm, que se escapasse da sua função de Presidente iludindo os Portugueses com fotografias e beijinhos.
As fotografias e os beijinhos ainda não põem pão nas nossas mesas. Nem isso nem a UEFA.
Esperaríamos certamente que Marcelo Rebelo de Sousa com a sua magistratura de influência, que pode e deve exercer, tivesse um papel mais activo e para o qual foi eleito . E qual é esse papel? Era só fazer o mesmo que fazia como comentador.
Denunciar, apresentar a sua opinião, e não andar ao colo e ao sabor do Primeiro-Ministro que até já tem o poder de o anunciar como próximo Presidente numa fábrica em Palmela.
O que diria Marcelo comentador sobre o silêncio de Marcelo Presidente sobre a polémica nomeação de Mário Centeno para o Banco de Portugal?
O que diria Marcelo comentador sobre o silêncio de Marcelo Presidente quando o Governo quer atrasar um diploma apresentado e votado na casa da democracia para impedir esta promiscuidade entre a política e a banca?
O que diria Marcelo comentador sobre silêncio de Marcelo Presidente sobre o IRS retido e ainda não devolvido aos Portugueses nesta fase tão negra da vida de todos?
O que diria Marcelo comentador sobre o silêncio de Marcelo Presidente, quando uma automotora da CP fica parada por falta de combustível?
O que diria Marcelo comentador sobre a forma como foi “ enganado” Marcelo Presidente aquando das comemorações do 1.de Maio?
E tantas outras questões. Ninguém esperava esta forma de actuação Presidencial que considero um duro golpe para os Portugueses que o elegeram porque não era o silêncio nem as selfies que esperávamos.
Queríamos um Presidente assertivo , com opinião, com denúncia sobre os casos que fazem o sistema afastar as pessoas da política e dos políticos.
Queríamos um Presidente a ser Presidente como foi talvez comentador.
Agora imaginem Portugal com um Governo sério e um Presidente da República.